Trio Maldito

De Clube Atletico Mineiro - Enciclopedia Galo Digital
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Introdução

<flickr>9389402156|right|thumb|Na formação: Jairo, Said e Mário de Castro.</flickr>

Os dois primeiros eram estudantes de medicina. O terceiro frequentava a Faculdade de Direito e foi o principal responsável pela adesão da colônia árabe de Belo Horizonte ao Clube Atlético Mineiro. Enquanto atuaram juntos, Mário de Castro, Jairo de Assis Almeida e Said Paulo Arges estrelaram um dos mais formidáveis trios de ataque do período amador do futebol brasileiro. Para a imprensa e para os adversários, eram o Trio Maldito. Para a massa alvinegra, nunca houve linha tão bendita.

Mário de Castro

Nunca época em que o futebol tinha um calendário tímido, com encontros em poucos finais de semana do ano, Jairo fez 122 gols com a camisa alvinegra. Said, 142. Mário de Castro, 195 em apenas 100 jogos - média de 1,95 gols por jogo. Ficou no Atlético até 1931 e manteve o cetro de maior artilheiro da história do clube até 1974, quando foi superado por Dario José dos Santos. (Depois, os dois seriam ultrapassados por Reinaldo, o maior de todos, autor de 255 tentos pelo quadro profissional do alvinegro.) Mário foi fenomenal, o maior jogador de seu tempo.

"Mário de Castro nunca chutava uma bola fora", recordaria o atleticano José Secondino dos Santos, décadas e décadas depois de ter visto o artilheiro em campo. "Ou o goalkeeper defendia, ou ela entrava. Nunca ia fora." A precisão do tiro era apenas um dos detalhes do talento daquele gênio. "Ele dava um chute forte e a bola pegava um efeito tão impressionante que voltava para seus pés.", recorda Fileto de Oliveira Sobrinho, que jogou no Atlético em 1923 e 1924. "Os outros tentavam fazer igual, mas ninguém conseguia".

O grande Mário de Castro nem tinha barbas quando pisou pela primeira vez a grama rala do velho campo do Atlético, na avenida Paraopeba. O pai, Lindolpho Rodrigues de Castro, era um senhor de terras influente na cidade de Formiga, oeste de Minas. Teve morte prematura, e a família passou a ser comandada pela matriarca, dona Regina de Oliveira.

Quando chegou a Belo Horizonte, em 1925, Mário de Castro foi morar numa república de estudantes, na Rua dos Carijós, e logo procurou um time. Bateu primeiro à porta do América. Foi aceito sem problemas. Participou de alguns treinos e depois sumiu. Mandou dizer que estava adoentado e reapareceu dias depois, mas no campo do Atlético, do outro lado da avenida Paraopeba. No primeiro treino, o técnico Chico Neto o escalou entre os titulares. Só saiu do time quando resolveu voltar à sua terra natal.

Center-forward de nascença, Mário de Castro foi o primeiro jogador de um time mineiro a ser chamado para a Seleção Brasileira de futebol. O jogo de inauguração do estádio de Lourdes foi visto por um diretor da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), Horácio Werner, e por um representante da Associação dos Cronistas Desportivos do Rio de Janeiro, Alysio de Hollanda Távora. Os dois ficaram estupefados com o futebol do craque. Dias depois, Mário de Castro recebeu um comunicado. Ele deveria se apresentar no Rio de Janeiro para a integrar a Seleção. Seria o reserva de Carvalho Leite, atacante do Botafogo do Rio. "Respondi que só iria para ser titular", diria, décadas depois o atacante atleticano. E, assim, o Atlético não teve representantes na primeira Copa do Mundo, a de 1930.

Depois do mundial, Mário teve a oportunidade de duelar com Carvalho Leite e mostrar qual dos dois era o melhor. Em 30 de agosto de 1930, o Atlético recebeu o Botafogo em Belo Horizonte. Venceu por 3 a 2 - e todos os gols dos alvinegro de Minas Gerais foram marcados por Mário de Castro. Na revanche, na festa de inauguração dos refletores do estádio do Botafogo, no Rio de Janeiro, em 1° de outubro do mesmo ano, o Botafogo deu o troco: 6 a 3. Carvalho Leite, que não marcara no confronto em Belo Horizonte, fez três. Mário de Castro, dois. No final, o artilheiro do Atlético venceu o duelo por 5 a 3. Estava provado: Mário era o melhor.

Em qualquer time que jogasse, Mário de Castro teria feito sucesso, Mas certamente não teria brilhado com tanta intensidade se não contasse com a sorte de jogar ao lado de Jairo e Said. Os dois eram craques superlativos.

Jairo

Jairo era natural de Muriaé, na Zona da Mata mineira. Assim como Mário de Castro, chegou a Belo Horizonte para estudar medicina. Acabou dividindo seu tempo entre a academia e o Atlético. Era o cérebro do trio, o homem que atraía a marcação e armava as jogadas. As notícias de suas façanhas em campo correram o Estado e, é evidente, repercutiram com força em sua terra natal.

Muriaé ficava mais próxima do Rio de Janeiro que de Belo Horizonte - e, naquela região, muitos se consideravam mais cariocas que mineiros. Em matéria de futebol, então, a influência do Rio é total. Vasco da Gama, Fluminense, Botafogo e outros times cariocas sempre tiveram na Zona da Mata mais admiradores que o Atlético, o América e as demais equipes de Belo Horizonte.

Esse quadro só foi atenuado em Muriaé na época de Jairo - assim como a dupla Guará e Nicola, dali a alguns anos, faria brotar uma fartura de atleticanos na vizinha cidade de Ubá. Testemunho de José Henriques Maia, atleticano de Muriaé. "Por causa de Jairo, me apaixonei pelo Atlético muito antes de ter visto o time jogar."

Said

O meia-direito Said era, naquele trio, quem demonstrava mais paixão pela bola. Se pudesse, passaria 24 horas por dia no campo. Por causa do futebol, prorrogou a permanência na Faculdade de Direito por muitos anos além do tempo regulamentar - deveria ter-se formado em 1932, mas só conseguiu o diploma em 1942. Said tinha uma personalidade interessante. Quem pela primeira vez deparava-se com seu cenho quase sempre franzido, ficava com a impressão de estar diante de um sujeito reservado, de poucos amigos. Bastavam cinco minutos de conversa para ele se revelar um tremendo boa-praça.

O pai era comerciante em São Paulo, e a mãe tinha uma loja em Congonhas do Campo. Said chegou a jogar bola pelo Esporte Clube Sírio, ao lado do irmão, Pedro. Dono de um petardo poderoso, que lhe valeu o apelido de Abi-Chute, Said chegou ao Atlético em 1926 e deu início ao forte caso de amor entre o alvinegro e a colônia árabe de Minas Gerais.

Os libaneses e os sírios começaram a aparecer com seus baús em lombos de mulas ainda no rastro dos operários recrutados pelo engenheiro Aarão Reis, no início da construção de Belo Horizonte - e encontraram campo fértil para o comércio. Com o tempo, alguns se estabeleceram como negociantes de tecidos e armarinho na avenida do Comércio - a atual Santos Dumont - e na rua dos Caetés.

Chegaram a fundar seu próprio time, o Sírio Horizontino, mas a presença de um patrício entre os ídolos atleticanos os fez sentirem-se tão à vontade nas arquibancadas de Lourdes quanto um beduíno sobre o camelo no meio do deserto. Dali a alguns anos, outro jogador de origem árabe, Chaffyr Ferreira, entraria no time e colocaria um pouco mais de tempero na ligação entre a colônia e o clube. Mas foi Said quem deu início a essa história.

O Trio Maldito

Referências

  • Atlético Mineiro - Raça e Amor (GALUPPO, Ricardo. 2005) - ISBN 85-00-01607-8